Na noite da última terça-feira (22/01) servidores e representantes sindicais de diversas categorias profissionais da saúde se reuniram para apresentar posicionamento contrário ao projeto de lei que pretende modificar o serviço público de saúde do Distrito Federal. A proposta entregue no dia 17 pelo governador Ibaneis Rocha à Câmara Legislativa propõe a expansão do modelo do Instituto Hospital de Base (IHBDF) para outras unidades de saúde do DF, fazendo com que a rede pública passe a ser gerida por um serviço social autônomo.
“Esse projeto de lei não pode ir em frente porque promove a privatização indireta dos serviços de saúde”, afirmou Cida Rodrigues, presidente da Associação dos Especialistas em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde do Distrito Federal (AES-SES/DF), entidade que representa 23 categorias de profissionais da área.
O salão do Clube da Saúde, espaço amplo localizado no Setor de Indústria e Abastecimento, não foi suficiente para comportar o grande número de servidores que compareceram para compartilhar seus receios em relação ao projeto de lei. Uma das principais preocupações é instabilidade gerada pelo quadro em extinção e realocação. As cadeiras não bastaram e boa parte dos presentes permaneceu em pé, até mesmo do lado de fora. Em momentos, trabalhadores ecoaram gritos de “Retira!” demandando que o projeto deixe de integrar a pauta.
“Nós somos a Secretaria de Estado da Saúde, a SES são os servidores”, defendeu Dayse Amarílio, presidente do SindEnfermeiros-DF. Segundo ela, a situação da saúde no DF é grave, mas a privatização não é a estratégia para a melhora. “Falta gestão. Os servidores são heróis, estão fazendo o impossível com pouco”, salienta. Para Newton Batista, diretor do Sindicato dos Auxiliares e Técnicos em Enfermagem do Distrito Federal (Sindate) “esse é o momento de levantar a bandeira da defesa do SUS, da Secretaria de Saúde do DF e dos servidores públicos do DF”.
Com a reação negativa dos servidores e da oposição na Câmara nos últimos dias, o governo fez modificações no texto original da proposta – foram cinco versões em seis dias. O mais recente, apresentado no fim da tarde de ontem, propõe uma nova nomenclatura: Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal. O modelo, que permite contratações pelo regime celetista e compras sem licitação, seria implementado nos hospitais regionais de Santa Maria e Taguatinga, no Hospital Materno-Infantil de Brasília (Hmib) e nas seis Unidades de Pronto Atendimento (UPAs).
Entre os motivos apresentados na proposta, o secretário de Saúde, Osnei Okumoto, aponta que o sistema do Instituto Hospital de Base trouxe “resultados significativos, motivados por modelo de gestão responsável e estruturado, acompanhamento de resultados frequente e agilidade de compras e contratações, regidas por regulamento próprio”. Mas as entidades apontam para a dificuldade de acesso aos indicadores desses resultados e criticaram o fato de o projeto não ter sido debatido com os servidores e tampouco com a população. “Ele não passou pelo Conselho de Saúde e nem pelas demais Comissões. Quando vem um projeto dessa magnitude de transformação do sistema de saúde é preciso que seja aberto para debate”, afirmou a presidente da AES.
Cida comenta que modelos semelhantes ao do proposto para o DF já foram adotados no Rio de Janeiro, Amazonas e Goiás, e que o resultado foi o “sucateamento maior do sistema de saúde”.
Para a Associação, ampliar a capacidade de atendimento dos hospitais regionais e UPAs, investir em equipamentos, reformas e manutenção dos prédios, criação de laboratórios e ambulatórios e recomposição do quadro de funcionários para compor uma equipe multidisciplinar são algumas das medidas que poderiam ser implementadas para melhoria do atendimento. “Sabemos que o sistema precisa melhorar, mas não por meio de privatização. É preciso recuperar o sistema, com equipamentos, material, insumos. A saúde precisa ir até o usuário e não o usuário percorrer um longo trajeto atrás de atendimento em saúde”, conclui.
Ato
Os deputados distritais foram convocados para uma sessão extraordinária amanhã (24/01) na qual o projeto será apresentado. A imposição de um regime de urgência para a votação é questionada pelas entidades por comprometer o tempo necessário de discussão. “O projeto é deficiente, pois não explica como ficará o Iprev [Instituto de Previdência dos Servidores do Distrito Federal], não explica o impacto financeiro e nem como os contratos serão feitos”, destaca a presidente da Associação.
As entidades sindicais convocaram os servidores para um ato em frente ao prédio da Câmara no intuito de pressionar os deputados a retirarem a proposta. A expectativa é ampliar a mobilização com a participação de mais categorias.
Em defesa do SUS
A nutricionista Denise Sabaraense atua na Secretaria de Estado da Saúde há 25 anos e se diz assustada diante da proposta do governo. “Pelas falas do candidato estávamos achando que ele seria a favor dos servidores da saúde, ou pelo menos não seria contra. De repente, ficou mal. A culpa passou a ser do servidor. De onde vem isso? O servidor carrega tudo nas costas!”. Denise acredita que as mudanças constantes no projeto de lei e a votação em caráter de urgência podem fazer passar despercebidos itens que prejudiquem ainda mais os servidores e a população.
“O governador está fazendo o contrário do que disse durante a campanha. Estamos aqui para mostrar que ele tem que fazer o que prometeu”, declarou Luciene Marinho, técnica de enfermagem. A enfermeira Andressa Ferrari, que integra o Movimento Pró-Saúde Mental do DF, argumenta que o projeto precariza as relações trabalhistas e prejudica o atendimento à população. “O projeto só tem malefícios para os servidores, para o Distrito Federal e para a população. A saúde está sendo rifada e, com isso, nenhum direito social está sendo garantido”.
Na visão da assistente social Telmara de Araújo Galvão a mobilização é necessária para mostrar aos usuários a importância de se proteger o SUS. “O governo usa termos diferentes para tentar promover uma privatização que terá impactos negativos no atendimento de saúde da população”. A ex-presidente da AES-SES/DF, Marta Tenório, também avaliou como positiva a mobilização de um grande número trabalhadores da saúde. “Temos que conscientizar a população a ficar do lado dos servidores, pois é o serviço público que garante melhor atendimento às demandas de saúde da população”.
A assistente social Josyane da Silva Alexandre Esmeralda é categórica: “esse projeto é o fim gradativo do SUS”. Ela convoca os servidores a se mobilizarem, mas também diz que se não for possível impedir a aprovação do texto os trabalhadores irão atuar no âmbito jurídico para reverter a situação. Segundo ela, a reestruturação do sistema é necessária, mas precisa ser feita com maior participação dos servidores: “o responsável pelas políticas públicas de saúde é o estado”.
Oposição na CLDF
O evento contou ainda com participação de representantes do Legislativo. O deputado Chico Vigilante (PT) ressaltou que a terceirização de contratos de trabalho é um risco e que os salários mais baixos podem comprometer o sistema de aposentadoria. “Mesmo com as alterações no projeto, continua valendo a regra do Instituto Hospital de Base. É um projeto para acabar com a saúde pública, para acabar com os servidores e sucatear o SUS. Dependemos da mobilização da população e dos servidores da saúde para que o projeto não passe na quinta.”
A deputada Julia Lucy (Novo) também esteve presente para declarar sua oposição ao projeto. A parlamentar, no entanto, propôs uma visão objetiva diante da possibilidade de aprovação do projeto e sugeriu a elaboração de propostas para que o texto atenda as necessidades dos servidores e usuários. Julia questiona a falta de informações importantes no projeto, como as relativas à garantia da previdência e lotação dos servidores. “Esse modelo não funcionou em países desenvolvidos que retiraram a saúde completamente do serviço público”, afirmou.
Jorge Viana, deputado pelo Podemos, discursou em defesa do sistema público de saúde e destacou o trabalho que tem sido feito de conscientização e convencimento de outros deputados.
Mais informações: 3201-9029.
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